quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A perda e a depressão (vistas por um psiquiatra)




"O luto é a reacção psicológica à perda de uma relação significativa. Depois de uma fase de negação, em que ainda se partilha a pessoa perdida através da imaginação ou colecção de objectos pessoais, sobrevém uma sensação de enorme vazio e tristeza. Este processo pode demorar meses a anos, mas se tudo correr sem entraves, seguem-se períodos de hiperactividade e agressividade que têm como desígnio substituir a pessoa (ou objecto) perdida. Na verdade, sempre que existem mudanças na nossa vida, perdem-se coisas e ganham-se outras, pelo que este processo é universal. Pode aplicar-se à perda de pessoas, do trabalho (ou dos papéis inerentes a certo tipo de trabalho), de bens ou mesmo de convicções e crenças. Mas também ocorre nas simples separações, e muito particularmente nos desenlaces amorosos.

Por vezes, este processo psicológico aparece sem motivo aparente. São tantas as perdas que se tornam possíveis, e muitas vezes tão mal assumidas, que nem sempre são claramente conscientes. Por vezes, é possível descobrir a perda não consciente. Outras vezes, a tristeza aparece de facto sem qualquer motivo, e poderemos estar perante uma depressão patológica. Aliás, as perdas precoces ou sucessivas são apontadas como os principais factores de risco para a depressão.

Por isso, a reacção de perda é o protótipo natural da depressão. Num caso e noutro, sobrevém uma tristeza profunda e uma sensação de vazio. Tal como se tivesse perdido um utensílio importante ou uma função corporal (o que pode desencadear o mesmo estado), quando alguém perde um ente querido sente-se incapaz de viver e abdica do futuro que, aliás, lhe aparece negro e indesejável. Qualquer esforço lhe parece pesado, qualquer aprendizagem impossível. Perdida a sincronia com a pessoa ausente, rejeita experimentá-la com qualquer outra, mesmo com os restantes familiares. Isola-se, procura o escuro e o silêncio, foge das pessoas. Dessincroniza-se das outras pessoas, mas também do ambiente natural e dos astros: a depressão é cada vez mais entendida como uma doença dos ritmos, sendo caracterizada pela insónia nocturna, por uma variação energética a contratempo com o dia (maior energia ao fim do dia do que de manhã) e pela perda dos impulsos alimentares e sexuais."

José Luís Pio Abreu, o bailado da alma

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